Torta de climão
ERRAMOS!! ERRAMOS!! PANE NO SISTEMA! Vocês receberam um e-mail nosso há uns minutos atrás e ele veio vazio, né? Honestamente ninguém sabe o que rolou, pedimos desculpas pelos transtornos! Deletem o outro e leiam essa receita de bolo aqui: 1 colher de sopa de repressão, 2 xícaras de subversão, 1 pitada de barraco no Twitter e 30min de organizações internacionais no forno. A gente sempre começa com algo relacionado a comida, não é mesmo? Dessa vez não seria diferente. Vamos te mostrar tudo o que você precisa saber e o que não estão te contando nos trending topics do twitter. O nosso top 10 das notícias está um pouco diferente do habitual e tem muita gente importante no meio. Nessa receita maluca das censuras tem filmes de herói, Ministro multando cantora pop e até ricaços comprando redes sociais. Ficou curioso? Prepara os utensílios de cozinha e vem descobrir os segredos pra essa torta ficar azedinha.
Por Michelle Lomi e Vitória Deschwanden
Unesco rainha, censura nadinha: A rainha de bateria Unesco já começou o mês de abril sambando na cara dos censores anunciando, no dia 4, uma cooperação com a Associação Internacional de Polícia, IPA, que ajudará a proteger jornalistas e a liberdade de expressão em todo o mundo (Turquia is kkkrying). A diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, disse que qualquer violação contra a liberdade de expressão tem de ser investigada e punida com base na lei (e está certíssima, né?). A parceria também vai auxiliar a Unesco a expandir o escopo de proteção a profissionais da mídia, na luta contra a impunidade nos crimes contra jornalistas, uma vez que quase 90% dos casos permanecem sem punição.
Cala a boca já morreu, quem manda na minha boca…: Sabemos que vocês curtem uma notícia fresquinha, mas não poderíamos deixar de comentar sobre essa porque o ano é 2022 e o que aconteceu nos traz um leve flashback do que conhecemos por anos de chumbo, deixando geral em choque (Pabllo Vittar que o diga)! E por ser tão irreal, a Associação Nacional de Imprensa denunciou à ONU e à Organização dos Estados Americanos (OEA) a censura imposta aos artistas que se apresentaram no Lollapalooza no último fim de semana de março (26). Durante a sua apresentação no Lolla, a drag quase teve que pagar uma multa básica de 50 mil reais por se manifestar a favor do ex-presidente Lula ao erguer uma bandeira do PT e gritar "Fora Bolsonaro”. O Ministro do TSE, Raul Araújo, não gostou muito das manifestações contra o Bolsonaro pelos artistas do festival e tentou, bizarramente, censurá-los, mas essa tentativa não passou de um surto, ou um tiro no pé .
Se liga, ein: A ONU pediu o julgamento dos responsáveis pela ação militar apresentada como uma “conquista” contra o narcotráfico pelo Ministério da Defesa da Colômbia. Mandando recado aos envolvidos sobre o uso de armas letais, a OI lembra que Estados só podem usá-las quando for inevitável e com o propósito de proteger a vida. O Ministro da Defesa colombiano, Diego Molano, enfrentou moção de censura no Congresso na terça-feira passada (26), e teve que testemunhar pelos assassinatos ocorridos em Putumayo, atribuídos a uma operação contra dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Apesar da operação ter ocorrido durante uma feira celebrada por moradores, Molano jura de dedinho que civis não foram mortos, e garantiu que entregou todas as informações às autoridades competentes. A OPIAC denunciou que os assassinatos eram na verdade “falsos positivos”-- civis mortos ilegalmente pelas forças militares de um Estado que são apresentados como morte “legítima” em combate.
Doutor Estranho em: o multiverso da perseguição: Antes mesmo de ser lançado, o filme Doutor Estranho 2 também foi alvo de repressão. No dia 23, a Arábia Saudita pediu que a Disney cortasse a cena com referência LGBTQIAP+, na qual a personagem America Chavez faz menção às "duas mães", mas a empresa recusou. O ator Benedict Cumberbatch também se pronunciou contrário: "Os regimes opressivos são intolerantes, e as pessoas não merecem ser punidas por sua sexualidade". É válido lembrar que a Disney se envolveu em uma polêmica recentemente ao apoiar membros do parlamento da Flórida que apoiaram o projeto de lei que limita a manifestação de crianças e adolescentes LGBTQIA+ em escolas do estado. Após essa polêmica, a empresa mudou completamente seu posicionamento, o que ajuda a justificar a recusa da solicitação do governo Árabe-saudita.
Ano que vem coloquem um despertador: Nesta terça-feira (3), foi celebrado o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, mas parece que alguém na Índia esqueceu de marcar no calendário... A data comemora uma imprensa livre de violência e censura, no entanto, sabemos que não é bem assim que as coisas funcionam pelo lado de lá. Ainda na última terça-feira, ONGs de direitos humanos solicitaram ao governo indiano a suspensão de perseguições contra os jornalistas e críticos online, por fazerem oposição ao governo do primeiro-ministro Narendra Modi, líder do partido nacionalista hindu Bharatiya Janata. É importante ressaltar que a Índia caiu oito posições no índice de liberdade de imprensa, se tornando um dos países mais perigosos do mundo para o jornalismo.
Por Bianca Gonçalves e Paulo Côrtes
Quando paramos e assistimos ao famoso vídeo “O que é internet?”, é surpreendente perceber como em tão pouco tempo essa tecnologia passou de um motivo de piada, para um meio que possui a triste capacidade de promover medo e insegurança. Em vista disso, quando listamos os benefícios dúbios que a rede trouxe consigo, um dos primeiros a se discutir é o acesso à informação, que se tornou abundante, porém, sem que houvesse a garantia de qualidade. Nesse sentido, uma coisa é certa: agora a forma como as notícias chegam aos usuários é controlada por um algoritmo programado para tal. Lembra daquele documentário da Netflix, o “O dilema das redes”? Pois é.
A característica de direcionamento de informações que as redes possuem mergulhou a sociedade global em bolhas ideológicas, viabilizando o mencionado anteriormente. Por meio desse fenômeno, elas se transformaram em um ambiente de fomento ao ódio e à censura, pois silenciar e difamar aqueles que vão contra a sua opinião é a melhor arma utilizada pelas bolhas para não estourarem. Esse tipo de ação se torna cada vez mais fácil à medida que os anos passam, como demonstra a recente pesquisa realizada pela UNESCO. Analisando o cenário do jornalismo entre 2016 e 2021, o relatório apresentou que a receita global de publicidade em jornais caiu pela metade e aponta as novas redes sociais como causa desse processo. Isso se dá considerando que para o mundo digital é mais fácil se informar com os trending topics do Twitter do que parar para ler uma matéria, propriamente dita. Reconhecendo essa nova conjuntura, convém questionar: como as redes sociais atuam para pôr em prática esse controle?
Para responder essa pergunta, é necessário analisar a linha tênue que existe entre a liberdade de expressão e o discurso de ódio. Recentemente, se destaca a compra do Twitter pelo véio da lancha Elon Musk, que defende a liberdade de expressão como a base de uma democracia funcional, mas no fundo acaba defendendo “a liberdade do ódio”. Trocando em miúdos algumas de suas propostas, a redução da moderação de conteúdo seria basicamente o mesmo que permitir que façam como ele e espalhem desinformação sobre a pandemia. Da mesma forma, a proibição de contas anônimas na rede seria inviável pela necessidade de autenticação de quem você é, expondo dados de redatores que colocam em xeque a legitimidade do status quo.
Só essas duas características, segundo a Federação Internacional dos Jornalistas (IFJ, na sigla em inglês), já são capazes de fomentar essa “liberdade do ódio” e censurar o trabalho de qualidade de profissionais que, com filtros reduzidos, estarão sujeitos a mais ataques e ameaças, possuindo cada vez menos proteção para se expressarem. A situação piora ao considerar aqueles que fazem denúncias sobre grandes líderes e organizações, pois nem mesmo poderão esconder seus dados pela anonimidade. Ou seja, a realidade é que esses trabalhadores ficarão impossibilitados de atuar em um dos principais canais de informação da atualidade, devido a uma censura imposta pelo medo.
Ademais, é triste reconhecer que todo esse medo é fundamentado na realidade de que ser um jornalista em um país como o Brasil, por exemplo, pode ser mais perigoso do que servir ao exército, tendo em vista que o local foi apontado como o quarto com mais mortes de profissionais dessa área, pela ONG Campanha Emblema de Imprensa em 2019. A perseguição e o silenciamento de opositores, características centrais das ditaduras brasileiras varguista e militar, na realidade se tornaram parte do modus vivendi moderno. Na mesma pesquisa da UNESCO que já citamos, também foi identificado que entre 2016 e 2021, 455 jornalistas foram assassinados em razão de suas publicações. O caso se agrava ao observarmos que para cada 10 desses casos, 9 permanecem sem uma solução, demonstrando que além de pagarem com suas vidas, os jornalistas também são vítimas da impunidade de seus algozes. Em síntese, a censura não se restringe ao medo virtual, ela também parte da internet para a violência na vida concreta.
Além da censura por meio do medo e da violência, também é possível identificarmos nos ambientes digitais um processo de censura pela lei, e um dos principais exemplos quanto a esse assunto é a União Europeia. A organização historicamente vem tomando medidas expressivas para aumentar o poder de controle sobre as narrativas divulgadas em seu território, e um grande exemplo é a aprovação do projeto “Direct on copyright in the Digital Single Market” em 2019. O que para alguns pode ser lido como apenas mais uma atualização dos direitos autorais, outros interpretam como a ponte para a censura nas redes. Esta dualidade se dá devido aos artigos 15 e 17, também conhecidos como “imposto de link" e ”filtros de upload”, que restringem o compartilhamento de publicações por meio da obrigação de uma compensação financeira para o detentor dos direitos autorais; isso exige uma constante fiscalização de todos os dados compartilhados, movimento que sabemos ser inviável, permitindo assim uma generalização do veto a tudo que possa ser minimamente uma violação desses direitos.
De cara, a implementação dessas novas regras pode ser vista como um meio até de reerguer os veículos tradicionais de notícias, implementando uma bonificação pelas suas publicações e impedindo o plágio, porém, o problema está justamente na maneira com que o texto foi apresentado. Nesse sentido, os meios de comunicação como os canais de opinião e independentes estariam extremamente vulneráveis ao silenciamento, que viria disfarçado de violação dos direitos autorais. Sob a justificativa de utilizarem trechos de publicações originárias dos grandes conglomerados jornalísticos e big techs, esses escritores seriam censurados em prol de interesses enviesados. Para piorar, as redes sociais ficaram de mãos atadas frente a essa nova conjuntura, já que ao sinal de qualquer violação desta lei, seriam levadas a suspender todo o conteúdo para evitar a responsabilização e eventuais multas.
Entre o projeto de lei e a proposta aprovada, a boa notícia é que a situação foi mitigada e o controle que se esperava não se concretizou, havendo algumas mudanças significativas no texto. Entretanto, no longo prazo, ainda é possível a utilização desses instrumentos para a inviabilização das críticas contra os que estão no poder, principalmente ao considerarmos os tempos de extremismo que nos encontramos. Dessa maneira, percebemos que todo aquele que lida com informações dentro das redes sociais está em constante risco de ser silenciado, seja pela censura de fato ou pela censura prévia, que é baseada na coerção pelo medo das consequências de emitir uma opinião. O fato é que desafiar o establishment deixou um aviso: não se cutuca a onça com vara curta na internet.
Paralelamente, uma declaração conjunta sobre os problemas que serão enfrentados pela liberdade de expressão na próxima década foi publicada com a colaboração de organizações relevantes, como a ONU, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa e a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. Nesse documento, as organizações reconhecem os problemas gerais que mencionamos ao longo deste artigo e citam diretamente o contexto das tecnologias, se comprometendo a “respeitar e assegurar o princípio de neutralidade de rede”. Essa notícia evidencia que o controle de dados nas redes sociais está entre os pontos da agenda internacional e tem mobilizado a atenção dos países. Entretanto, esse reconhecimento não se traduziu na prática, o que escancara o velho jogo político de chove e não molha.
Por Kayanne Simões
Desde quando a internet ainda era mato, falar de liberdade de expressão no Brasil é no mínimo cabuloso. Para não dizer que isso é mal da pós-modernidade, o primeiro documento atravessado pela mira missionária da moral e dos bons costumes que a gente consegue pensar em citar é… a Carta de Caminha (que nem brasileiro era, pra começo de conversa). Se dá ou não pra dizer que a censura em terra brasilis começou ali, pouco importa, mas que definitivamente os tentáculos do controle de informação continuam se estendendo até hoje, isso é fato.
Como nossos pais
Você já deve imaginar que quando dizemos que esse é o caso mais recente, é (infelizmente) recente mesmo: há cerca de um mês atrás, no último final de semana de março, o festival Lollapalooza em São Paulo ocupou as manchetes de jornais pelo Brasil e pelo mundo por motivos muito menos empolgantes que de costume. A tentativa de censura formalizada naquele sábado (26) foi uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral acatando o pedido do Partido Liberal, o PL do então presidente da República, Jair Bolsonaro. Ainda que o cala boca tenha morrido tão rápido quando nasceu, o que importa nesse caso é a intenção de interditar o debate, constranger e ameaçar manifestações públicas contra-ordem. Sobretudo, é alarmante o cerceamento da liberdade de expressão, especialmente quando orientada à cena musical, que foi e é historicamente perseguida por governos brasileiros. A asfixia cultural importou há 40 anos atrás, há 40 dias atrás e hoje também.

Pra não dizer que não falei das flores
A relevância desse tema no cenário brasileiro está expressa não somente no texto constitucional de 1988, que trata o tema da censura de maneira verdadeiramente extensiva e nada genérica, como também na pluralidade de dispositivos domésticos e internacionais que são utilizados para tanto. No que tange aos últimos, separamos alguns dos principais recursos de direito e das organizações internacionais que vão de encontro à censura e protegem o direito à liberdade de expressão e ao voto.
Ambos os artigos 19 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) reafirmam a liberdade de expressão e difusão de informações e idéias de qualquer natureza por quaisquer meios. Em outra ocasião, organizações da sociedade civil denunciaram o governo brasileiro ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas — órgão que interpreta oficialmente o PIDCP — por violações às liberdades de expressão e imprensa no ano de 2020.
Da mesma forma, a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão, da Organização dos Estados Americanos (OEA), define a liberdade de expressão não como uma concessão dos Estados, mas sim enquanto um direito fundamental e inalienável, inerente a todas as pessoas. Similarmente, a Relatoria sobre Liberdade de Expressão da OEA — aquela que mencionamos mais pra cima, a qual foi endereçada a denúncia da associação nacional de imprensa — elabora declarações conjuntas com outras relatorias no que tange, ao tema da censura. A declaração mais recente, de 2021, menciona, por exemplo, medidas para “[...] garantir o nível mais alto possível de proteção do discurso político e do discurso ligado a outros assuntos de interesse público, inclusive pelos meios de comunicação e plataformas de comunicação digital — em especial, em contextos de eleições, nos quais o livre exercício da liberdade de expressão pelos partidos e candidatos têm especial significado [...]”. A liberdade de expressão nesse escopo é entendida não somente pela ausência de restrições à livre circulação de ideias, mas à manutenção de estruturas abertas e acessíveis para tal.
Apesar de você
No fim das contas, um mês depois da censura no Lollapalooza, o que temos como resultante desse movimento é a necessidade de um novo fôlego para reassistir e resistir à emergência desses ataques em pleno ano eleitoral. As consequências dessas manifestações de artistas e eventos culturais no debate político são cada vez maiores e, portanto, silenciar, restringir ou demarcá-las afeta efetivamente o cerne da sociedade democrática — um ponto particularmente sensível nesse cenário. Sendo assim, a ebulição nos últimos dias do festival produziu não somente um passo além nos pronunciamentos que vinham sendo feitos pelos artistas mainstream, mas também ecoou a grande campanha pelo alistamento e engajamento eleitoral entre jovens maiores de 16 anos. Pegando emprestada a fala de Bela Reis, jornalista e podcaster no Angu de Grilo, “se um lado é a defesa de direitos, não existe o outro lado; o outro lado é a barbárie, a censura e a violência indiscriminada”.
Listão: tudo que estamos lendo, vendo e ouvindo nessas semanas Finalizado
O Death Note para jornalistas: A One Free Press Coalition é uma rede de monitoramento global, que inclusive lista mensalmente os 10 jornalistas mais ameaçados no momento . Esse projeto é resultado também da cooperação entre grandes veículos de informação, como The Washington Post e Forbes, em prol da manutenção da liberdade de expressão. Vale a pena conferir 👆.
Para os amantes de relatórios: A organização não governamental Artigo 19 publicou o Relatório Global de Liberdade de Expressão sobre o período 2020-2021. A análise atribui uma escala de liberdade entre 1 e 100 para as regiões e auxilia no entendimento geral desta questão, comparando o resultado atual com o obtido nos últimos 5 e 10 anos.
Roll cast indica: o episódio 161 do Guilhotina publicado pelo Le Monde Diplomatique Brasil é composto por 68 minutos recheados de análises super pertinentes sobre a trajetória do progressismo na América Latina. Nele descrevem como essa onda não impede o circo de pegar fogo e só amplia as complicações econômicas a longo prazo. Vem 👆.
Música boa pra variar: Da próxima vez que você for gastar 10 minutos da sua vida ouvindo uma música, ao invés de ouvir Faroeste Caboclo, usa seu tempo ouvindo uma música boa pra variar:
A torta tá pronta e saindo do forno
É muito segredo de vó que não nos contaram nessa receita... Mas com a gente não tem barraco que passe em branco e vamos te contar todos. Já pode se preparar para os próximos que daqui a 15 dias estamos de volta com mais fofoquinhas internacionais aí na sua caixa de entrada.
XOXO,
Gossip Girl (ou Bianca, Kayanne, Michelle, Vitória, Paulo e Olívia, do CPOI).